sábado, 3 de setembro de 2011

Sou Pirilampo...

      Acotirene, nosso primeiro Rei, foi a voz de um povo que se uniu por não aguentar mais viver no sofrimento, na sarjeta. Povo que não tinha voz, não tinha vez, não tinha lugar... Ganga Zumba deu continuidade ao seu Reinado. Ora bolas, Reis!!! Sem coroa, sem ouro, sem jóias ou tecidos finos para se vestirem. Castelos construídos no meio do mato, vestidos com trapos, no corpo patuás...Mas eram Reis! E assim como tal lutavam pelo seu povo. Povo sofrido, escurraçado...
   
   Povo gritou! Clamou! E com Zumbi lutou pela tão sonhada liberdade. Zumbi lutou apenas pelo direito de ser humano. Era pedir demais? Cabeça decepada e exposta em praça pública, essa foi a coroação do Rei Zumbi. Tenho a certeza de que, mesmo sabendo como terminaria, faria tudo de novo e mais uma vez não se calaria por ver tanta injustiça com sua gente.


      A liberdade, depois de muita luta, enfim chegou... Apenas no papel!

      Raça sofrida. Sofre apenas por ter nascido. Povo guerreiro, que lutou pela construção desse país. Braços fortes, pés descalços. Raça que sofre só por ter nascido negra. Na Guerra do Paraguai o Negro Tião, e mais uma vez seu povo, luta e transforma aquele misto de dança e golpes fatais , criado dentro de um Quilombo, na primeira arte marcial brasileira. Era o negro na guerra! Seria o Negro Tião o mais novo Rei do Quilombo? Liberdade disfarçada... E mais uma vez a minoria sendo usada. Promessas de moradia e luxo para os combatentes. E o que receberam em troca? Morros e madeiras! A favela decepa mais uma vez a cabeça de tantos "Zumbis" e as expõe em praça pública. O tempo passou mas nada mudou.

      Pobre povo guerreiro, que nem assim baixa seu semblante.

      Povo guerreiro! Perseguido nas grandes capitais por mostrar sua arte na rua. Mas não somos todos livres? Sim... Mas corre que lá vem o Capitão! É preciso voltar ao Quilombo em pleno século XX para praticar sua arte, sua cultura, seu misto de crenças e crendices.

      Bantos... Negros... Nagôs... Yourubás... Viemos todos do mesmo pó cuspido e modelado nas mãos do Criador dos Brancos, Amarelos, Arianos... E com estes e mais os de pele vermelha formamos uma nova raça, fruto da miscigenação. Mas ainda hoje essa nova raça insiste em procurar diferenças no tom da pele, cor dos olhos, espessura do cabelo. Povo guerreiro! Povo que luta! Povo preconceituoso consigo mesmo! Povo que se torna medíocre! Tanta coisa boa pra ocupar suas mentes. Tanta coisa boa pra aprender depois de tanto sofrimento...

      Um inseto pequeno, casca grossa e pesado, porém que voava alto, fez seu nome na história por mais uma vez não se calar e lutar por seus ideais. O corpo fechado de Besouro não durou, mas o sangue que a Terra molhou serviu para adubar novas sementes.

       Pastinha continuou o reinado começado por Acotirene, e dissipou aquela arte, misto de luta e dança. Bimba inovou e continuou a miscigenação que transfomava aquela cultura cada vez mais em verde e amarela. Parida aqui em terras brasileiras!

      Século XXI, e muitos outros Reis insistem em escrever seus nomes na história. Escrevem sem nem mesmo perceber, pois nunca sonharam em ser Reis. Livres do açoite da senzala, presos na miséria da exclusão social, levam liberdade para muitas vidas aprisionadas. E hoje seus reinados ganham dimensões mundiais!

      Hoje são muitos estes Reis que para mim são referência. Chita, Travassos, Quito, Ferro, Machadinho, Cobrinha, Jacaré... Reis que educam, formam, inserem, transformam. Destes Reis três se destacam. Lobo! O Rei que me iniciou, me deu um nome. Machado! O Rei da minha formação cultural e intelectual. Jorginho! O Rei das minhas técnicas e da minha pedagogia.
Graças a estes Reis que hoje sou o que sou.
      Sou Pirilampo!!! E na escuridão trago luz para clarear os caminhos. Diz a lenda que pirilampos eram os retalhos das estrelas que Deus jogou na Terra para que o brilho das estrelas também a iluminasse de perto. Quando aqui caíram os anjos transformou esse retalhos em insetos e os distribui pelos campos e matas. Eu mesmo, quando moleque, já cacei muitos pirilampos para passar na roupa, na esperança de vê-la brilhar e também ter aquela luz, sem saber que um dia me tornaria Pirilampo também.

      Uma estrela na Terra ou um simples vagalume, não importa! Quero apenas um dia, sem nem perceber, me tornar Rei também. Hoje sou a voz do meu povo dentro do meu Quilombo. Levo cultura, inclusão social, conhecimento, história,  ensinamentos, técnicas. O que aprendo com meus Reis repasso para os meus quilombolas. Se nenhum desses Reis se calou até hoje, não serei eu o silêncio dessa gente. Gente negra somos todos nós. Pele escura ou pela alva somos todos de uma mesma raça de escravizados. Escravos que se libertam pelo soar singelo da melodia de um berimbau.

      Sou Pirilampo! Sou Negro! Meu dialeto é o Kikongo! Quem sabe um dia eu também não reine neste Quilombo?

      Sou Pirilampo! Luto pela raça... Luto pela cultura... Luto pelo meu sangue... Luto pelo meu povo...

      Sou Pirilampo! E na escuridão quero ser luz. Luz para iluminar o caminho. Luz para brilhar em meio as trevas.







Sou Pirilampo!





Por Pirilampo (Deyvid Guedes) em 01 de setembro de 2011

***************************************************************************

.:fotos:.
Acotirene
Ganga Zumba
Zumbi dos Palmares
Estátua de Zumbi (RJ)
Besouro Mangangá
Mestre Pastinha
Mestre Bimba



.:na foto maior (ao centro):.
Mestre Ferro, Mestre Machadinho, Mestre Cobrinha, Mestre Machado, Mestre Jacaré e Mestre Jorginho



.:nas fotos seguintes:.
Meu Mestre: Mestre Jorginho
Meus alunos: Sahuã e Neto
Meus alunos: Jonathan e Shauã


1 comentário: