sábado, 8 de outubro de 2011

Forasteiro...

   Em dado momento da minha vida decidi me tornar um cigano. Não adquiri hábitos, costumes ou crenças do povo, apenas usei o termo para especificar que tipo de vida decidi seguir. Chegou uma hora que resolvi abandonar o aconchego do meu lar, colocar algumas poucas coisas em minha mochila, somente o necessário, e com ela nas costas buscar o mundo. Andei por aí sem rumo. Conheci novos povos, novas culturas, aprendi tanta coisa com o que eu vi. Estava satisfeito com a vida que estava levando. Fazer novos amigos é sempre muito bom, mas confesso que sempre choro com as despedidas. Mas foi a vida que decidi seguir e sempre que me despeço nunca olho pra trás pra não me arrepender. Sei que é bom manter os laços, mas preciso seguir meu caminho e conhecer novos lugares.
   Nesta minha caminhada me deparei com um povoado que me chamou muito a atenção, e é sobre ele que vou discorrer aqui nas próximas linhas.
   Caminhava eu pelo meio de uma floresta de mata nativa bem fechada, e pela primeira vez em toda a minha trajetória eu tive medo, pensei estar perdido. A mata era muito densa, fazia frio, a noite caía, meu cantil já quase que se esvaziara, poucas eram as árvores frutíferas daquele lugar e nenhum sinal de população. Pensei que talvez ali seria o meu fim. Quando de repente, me deparo com uma claridade vinda do outro lado da floresta. Caminhei em sua direção até que de longe avistei, no meio de um vale (eu já não tinha nem noção eu subia uma floresta montanha acima) uma pequena aldeia, e o povo parecia estar em festa. Fui me aproximando devagar, não queria chamar muita atenção, mas logo alguém me notou. Dançavam em torno de uma fogueira e realmente pareciam muito felizes. Fui logo convidado a participar das danças em torno das chamas, me ofereceram bebida e comida. Nunca havia encontrado pessoas tão receptivas e aquilo ali ia até me assustando. Não sabiam quem eu era, de onde vinha, qual era o meu caráter... E pareciam nem estar preocupados com isso. Demorei um pouco para ficar a vontade com toda aquela situação, o estranho era eu, mas eu é quem começava a estranhar a todos.
      Depois de um tempo, quando eu menos percebi lá estava eu sentado em torno da fogueira como um dos aldeões, ouvindo suas histórias, bebendo de suas bebidas, comendo os alimentos que eles assavam na brasa... Senti uma paz! Um conforto! Me senti super a vontade por estar alí, e parecia que eu tinha voltado pra minha própria casa. Era como se eu estivesse nascido no meio daquele povo.
   Até que alguém resolveu perguntar quem eu era. A essa altura eu já achava que isso era o que menos importava, mas fiquei muito feliz e ter sido notado e comecei a contar-lhes minha vida e minhas andanças por aí. Me olhavam da mesma maneira que olhavam os anciãos quando contavam as histórias dos seus antepassados. Primeiro senti o peso dessa responsabilidade, como se eu os estivesse ensinando algo, mas depois percebi que eles gostavam de me ouvir, e não passei mais a me importar e continuei contando minhas aventuras.
   Já era madrugada adentro quando todos começaram a se deslocar aos seus aposentos. E logo me ofereceram uma cabana (que talvez fosse criada para receber visitantes mesmo, como se recebessem sempre visitas ali no meio do nada). Um lampião, uma cama com vestes limpas, uma moringa com água fresca e um pouco do que haviam assado na fogueira. Deitei-me e fiquei algumas horas pensando naquelas pessoas. Como eram felizes. Como me fizeram sentir feliz. Como eu estava a vontade por estar naquele lugar que eu nunca tinha visto antes...
   Antes que o sol despertasse eu já estava de pé, o céu já estava claro, e fui caminhar pela perimetral daquela aldeia para conhecer. Como eu chegara a noite não havia percebido o quanto aconchegante era também a natureza daquele lugar. De um lado as matas e as montanhas, um rio descia morro abaixo, cruzava a aldeia a leste e desaguava no mar que ficava do outro lado, um pouco afastado, mas que em poucos minutos de caminhada chegávamos. Entrei por um caminho na mata e fui ter com o rio. Uma espécie de piscina natural se formava logo abaixo de uma cascata e foi alí que (depois de verificar se realmente não havia ninguém por perto) que me banhei. Aquela água gelada era confortante. Massageava todo o meu corpo, que depois de longas caminhadas parecia tão estressado, com os músculos duros. Terminei meu banho, me vesti (antes que chegasse alguém) e peguei o caminho de volta. No caminho encontrei as mulheres que voltavam com frutas para o café da manhã. Ao chegar na aldeia cada pessoa que me olhava, assim como aquelas mulheres no caminho, me recebia com um sorriso tão grande e tão sincero que eu me sentia muito amado por aquelas pessoas que sequer me conheciam.
    Depois de alimentado continuei minha caminhada por alí, e já parecia mesmo que eu estava em casa, pois niguém me olhava como um estranho. Crianças vieram ao meu encontro e me pediam pra continuar contando as histórias que iniciei sentado à beira da fogueira. Sentei-me com elas em uma espécie de campo, onde brincavam, e continuei minhas aventuras de caminheiro. Cada vez chegavam mais, e quando me deparei eu era um contador de histórias rodeado de olhinhos fascinados com minhas palavras. E mais uma vez eu fui tomado de alegria.
   Demorei alguns dias ali naquele lugar (mais do que o normal pois nunca ficava muito tempo por onde passava) mas cada vez que eu dizia que ia embora, me pediam para ficar, e eu ainda não sei porquê, sempre concordava e adiava a partida. Dias foram se passando e eu ali, cada vez mais encantado. Porém em alguns dias eu sentia uma profunda tristeza. Me levantava, caminhava pela aldeia, ia até o rio, colhia frutas, passeava pela areia da praia...voltava, via o dia terminar, e não via uma pessoa sequer. Povo estranho! Pareciam tão felizes em sua convivência diária, mas vez ou outra pareciam não querer se ver ou cruzar os caminhos uns dos outros. E assim seguia a vida. Confesso que nesses dias eu sentia uma profunda tristeza. Era pior do que caminhar sozinho por aí. Nas estradas da vida eu sei que sempre encontrarei um outro povoado uma hora ou outra. E sei que realmente estou sozinho. Mas ali não...eu sabia que tinham pessoas adoráveis atrás de cada porta fechada e que naquele dia eu não poderia ver aqueles sorrisos que me faziam inebriar de carinho. E esses seriam os melhores momentos para eu juntar minhas coisas e partir, mas não conseguia, ao lembrar de cada brilho no olhar, de cada sorriso, de cada noite de festa (que se repetia com uma certa frequência) eu voltava atrás e prometia pra mim mesmo que ia ficar só mais um pouquinho, mas que no dia seguinte iria embora... Mas nunca ia...
   Mas eu esperava sempre ver todos os dias os sorrisos, as risadas, as crianças correndo pelos campos. Eu não conseguia entender como um povo tão feliz se trancava em mausoléu de tristezas de um dia pro outro sem motivo algum. Não conseguia entender tanta oscilação de humores. Se eram tão felizes ao me ver pela manhã, por que eu não tinha aqueles sorrisos todas as manhãs? Por que sem motivos se trancavam em suas casas e ignoravam minha presença? Já não sabia mais o que achar e preferia não tirar conclusões precipitadas... E comecei a perceber que realmente eu demorara mais ali do que devia. De uma forma ou de outra eu sempre seria um estrangeiro. Talvez eu nunca me acostume com os hábitos deles. Deveria seguir meu rumo e mais uma vez me despedir... Forasteiro, isso é o que eu sou para eles!
   Essa noite ninguém se reuniu em torno da fogueira... Não vi sorrisos, não ouço vozes, nem as velas acesas nas casas eu consigo enxergar pelas frestas. Acho que chegou o meu momento. Tenho que partir. Vou sair na calada da noite para não ter que me despedir... O choro seria inevitável. E desejo que não me peçam pra ficar...pode ser que eu não resista a mais uma noite. E agora começo a perceber que este aqui não é realmente o meu lugar... Talvez um dia eu volte, e encontre tudo diferente, ou talvez não os encontre no mesmo lugar...ou quem sabe a vida me leve a outro lugar que não me permita nunca mais voltar aqui. Mas não vou me preocupar com isso... A estrada me chama... Vou tentar não olhar pra trás!




Por Deyvid Guedes em 08 de setembro de 2011

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